A LEGALIDADE DA APLICAÇÃO DE MULTA POR ASSOCIAÇÃO DE MORADORES EM LOTEAMENTOS FECHADOS

Luiz Felipe Rodrigues – advogado | 28/10/2024

Ao adquirir um imóvel situado em um loteamento administrado por uma associação de moradores, além dos direitos inerentes a aquisição da propriedade, o novo morador também adquire deveres com a associação e com os outros associados.

Alguns desses direitos e deveres são disciplinados pelo estatuto social ou pelo regimento interno, neste sentido, prevê o artigo 36-a da lei 6.766/79

Art. 36-A.  As atividades desenvolvidas pelas associações de proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos ou empreendimento assemelhados, desde que não tenham fins lucrativos, bem como pelas entidades civis organizadas em função da solidariedade de interesses coletivos desse público com o objetivo de administração, conservação, manutenção, disciplina de utilização e convivência, visando à valorização dos imóveis que compõem o empreendimento, tendo em vista a sua natureza jurídica, vinculam-se, por critérios de afinidade, similitude e conexão, à atividade de administração de imóveis

Parágrafo único.  A administração de imóveis na forma do caput deste artigo sujeita seus titulares à normatização e à disciplina constantes de seus atos constitutivos, cotizando-se na forma desses atos para suportar a consecução dos seus objetivos.       

O questionamento cinge-se sobre a possibilidade de as associações aplicarem multas aos proprietários de lotes por desrespeitarem as normas previstas tanto no estatuto social como no regimento interno.

Fato é que não é tarefa fácil administrar uma associação de moradores. Trata-se do exercício de uma atividade social e pública. Para o professor João Lira, no livro Associação de Moradores : Instrumento de Conquistas e Garantias de Direitos Sociais.

Do ponto de vista técnico, social a associação de moradores é uma entidade sem fins lucrativos de interesse público privado com personalidade jurídica própria e que faz parte do terceiro setor da nossa economia. Atua na melhoria da qualidade de vida da população e tem entre seus objetivos sociais a promoção, defesa e melhoria da saúde da segurança pública da educação do transporte e mobilidade urbana na moradia e da habitação do saneamento básico do meio ambiente etc. É concebida também para lutar pelo bem-estar social e pelos direitos políticos e sociais do cidadão e da sociedade de maneira geral (LIRA, pág. 40)

Disciplinado pelos artigos 53 ao 61 do código civil e artigo 36-a da lei de parcelamento do solo urbano, tamanho é o dever das associações que é inegável é a sua função social, atuando como legislativo, executivo e, muitas vezes, atuando de forma judicante, compondo os conflitos entre seus associados.

De forma divergente a matéria condominial, os textos legais não trazem um procedimento a ser adotado na aplicação das multas pelas associações, sendo necessário se socorrer a jurisprudência a doutrina e aos princípios constitucionais.

Desta forma, ab initio, deve-se balizar todos os atos que integram o procedimento de aplicação de multa, estando ou não previstos no Estatuto/Regimento Interno, ao princípio da ampla-defesa e do contraditório.

Tais princípios refletem a necessária dialeticidade das partes no procedimento, são espécies do gênero devido processo legal. Ora, para que todos falem, é necessário garantir voz para todas as partes.

Dentro do diálogo entre quem acusa, quem é acusado e quem decide, expressa o princípio da ampla defesa a ideia de que o acusado tem a garantia de se utilizar de qualquer material, desde que lícitos ou não defesos, em regra, para contrapor o argumento acusatório.

Tamanha é sua importância que assevera a Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso LV, a garantia para aqueles que litigam em processo judicial e administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa. Contra produção probatória, este é o termo que reflete o uso prático da ampla defesa.

Decorrência logica do direito de defesa, o contraditório reflete a forma que se fala dentro do diálogo procedimental. Resulta do binômio ciência e participação.

O exercício do contraditório está presente quando o investigado exerce o seu direito de ser ouvido, apresentando sua versão dos fatos podendo também fornecer evidências.

Estabelecer ou verificar se os procedimentos atendem ao direito de participação do imputado é primordial para a aplicação de qualquer penalidade pela associação sob pena de ser a associação responsabilizada pelo abuso cometido.

As disposições estatutárias das associações de moradores possuem força cogente, como verdadeiro ato-norma, é possível ver os magistrados caminhando neste sentido, por exemplo a notável fundamentação da sentença do processo 1004376-42.2023.8.26.028:

Estando o lote dentro do condomínio administrado pela autora, associação de moradores, está submetido ao regimento interno, que prevê que qualquer tipo de atividade no terreno só poderá ser executado após a aprovação do projeto pela Associação de Proprietários e Moradores do Loteamento e apresentação do alvará de construção obtido junto ao Município. Friso que, mesmo sendo a autora associação de moradores, o art. 36-A, parágrafo único, da Lei nº 6.766/79, incluído pela Lei nº 13.465/17 que entrou em vigor em11/07/2017, antes, portanto, da aquisição do lote pela ré, o qual impõe a submissão dos proprietários de lotes às normas de utilização e convivência das associações sem fins lucrativos constituídas para a administração de loteamento.

Neste mesmo sentido, observa-se a fundamentação do voto 48277 no julgamento da Apelação Civil n.º 1000765-17.2022.8.26.0443

Ora, diante de tais considerações, fica evidente o acerto no qual incorreu o Juízo a quo, eis que as preliminares foram devidamente rejeitadas e, embora não se ignore o princípio da liberdade de associação, certo é que a ré deve se submeter às regras constantes do seu regimento interno, visando a primazia de boa convivência entre vizinhos, sendo que os documentos acostados à inicial comprovam sua notificação acerca das infrações cometidas e das multas aplicadas, mantendo-se inerte. Sua desassociação restou incontroversa e deve ser considerada a partir da reconvenção, uma vez que não comprovou a expedição de notificação para a requerente, não podendo atingir atos anteriormente praticados por livre vontade.

Desta forma, tenha o proprietário aderido ou não, deve este observar todas as normas disciplinares previstas no estatuto. Algumas considerações se fazem importante:

  1. A associação de morador não é obrigada a observar as regras estabelecidas no art. 1.337, logo, esta devera observar o quórum estabelecido no estatuto para aplicação de multa
  2. O valor aplicado deve observar um critério de proporcionalidade e razoabilidade ao delito cometido
  3. Deve-se evitar a prática de sucessivas multas pelo mesmo ato infracional

Desta forma, caso seja necessário para manter a ordem e a boa convivência entre os associados, não deve a administração deixar de se utilizar dos instrumentos punitivos. Caso haja dúvida, sempre conte com o acompanhamento de um profissional técnico, seja mediando o conflito ou norteando a aplicação da penalidade.

Aqui vai uma dica de um procedimento para aplicação de penalidade:

1. Identificação do infrator e descrição da infração

      Neste momento deve-se colher todo o material probatório que dará suporte ao procedimento.

      2. Imputação formal

      Encaminhar uma notificação formal ao associado imputando o ato cometido e dando ciência da ilegalidade, dando prazo e informado a forma para que este se manifeste em defesa ao alegado.

      3. Análise da defesa

      Convocação do órgão colegiado para análise da defesa apresentada, elaborando a decisão.

      4. Recurso

      Caso não seja aceita a defesa apresentada, que ao acusado seja garantida nova oportunidade de recurso, recomenda-se que esta decisão recursal seja tomada por assembleia convocada para este fim, possibilitando ainda que ao imputado seja garantido nova oportunidade para defesa

      5. Análise final e aplicação de multa

      Caso não seja acolhido as matérias arguidas em sede de defesa/recurso, a aplicação da multa prevista no estatuto.

      6. Ajuizamento

      Caso o infrator não pague a multa, deverá o presidente constituir advogado para que ajuíze a cobrança desta multa.

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