Luiz Felipe Rodrigues – advogado | 24/10/2024
É comum que os municípios cobrem dos condomínios exclusivamente residenciais a Taxa de Licença para Funcionamento, alegando que estes possuem personalidade jurídica equiparada a de pessoa jurídica para fins tributários.
As taxas de funcionamento são cobradas pelo município com a finalidade de regulamentar e fiscalizar o exercício das atividades exercidas por estabelecimentos comerciais, industriais, prestadoras de serviços e similares.
Inicialmente, cabe tecer algumas considerações sobre a natureza jurídica dos condomínios residenciais. Pela teoria da realidade jurídica, amplamente adotada pelos doutrinadores e pela jurisprudência, o condomínio não possui personalidade jurídica, visto que o condomínio não se encontra no rol do artigo 44 do Código Civil, desta forma, somente tem capacidade para ser titular de algumas relações, e.g., figurar no polo ativo/passivo de processos judiciais, ser responsável tributário, contratar funcionários, dentre outras. Deve-se não olvidar que a inscrição junto a Receita Federal, em respeito a Instrução Normativa n.º 87/84, não possui o condão de atribuir personalidade e, muito menos, atribuir características de uma unidade econômica.
Desta forma, difere-se a figura dos condomínios residenciais dos estabelecimentos comerciais, industriais ou de prestadores de serviço. Importante se faz esta distinção, pois muitas vezes o que se observa é o ente municipal fundamentar a cobrança da referida taxa dos condomínios introduzindo critérios subjetivos na apreciação.
A título de exemplo, peguemos a legislação tributária do município de Jaú/SP, e supomos que este realize lançamentos de ofício da taxa de licença para funcionamento para condomínios exclusivamente residências, fundamentando no artigo 76 da Lei Municipal 2.288/84, que assim dispõe:
Art.76. A taxa de licença para funcionamento sera renovada anualmente, mediante o seu recolhimento, a fim de assegurar a continuidade da concessão do respectivo alvará, nas condições iniciais, para os estabelecimentos comerciais, industriais, prestadores de serviços e similares. (LC 284/2006)
Veja que não há a previsão dos condomínios como sujeitos passivos da obrigação tributária, sendo que tal lançamento caracteriza gritante afronta ao princípio da tipicidade tributária, neste sentido:
DIREITO TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. INDEVIDA COBRANÇA DE TAXA DE LICENÇA PARA LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO EM DESFAVOR DE CONDOMÍNIO RESIDENCIAL. TRIBUTO QUE DEVE INCIDIR SOBRE ATIVIDADE COMERCIAL, INDUSTRIAL, AGROPECUÁRIA, CREDITÍCIA OU DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. FATO GERADOR NÃO CONFIGURADO. DEVER DE OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA TIPICIDADE TRIBUTÁRIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. RECURSO E REEXAME OBRIGATÓRIO CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (TJ-RN – AC: 08442136820178205001, Relator: EXPEDITO FERREIRA DE SOUZA, Data de Julgamento: 07/10/2020, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 08/10/2020)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE TRIBUTO/DÉBITO C/C TUTELA ANTECIPADA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO MUNICÍPIO. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. ALEGAÇÃO DE QUE, PARA FINS TRIBUTÁRIOS, O CONDOMÍNIO POSSUI PERSONALIDADE JURÍDICA EQUIPARADA À DA PESSOA JURÍDICA. VIABILIDADE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. TAXA DE VISTORIA PREVENTIVA E TAXA DE SEGURANÇA OSTENSIVA. ILEGALIDADE NA COBRANÇA. ATIVIDADES CUSTEADAS PELA RECEITA PROVENIENTE DE IMPOSTOS. TAXA DE AUTENTICAÇÃO DE DOCUMENTOS/DE EXPEDIENTE. ÔNUS DO MUNICÍPIO. COBRANÇA INEXIGÍVEL. TAXA DE FISCALIZAÇÃO DE LOCALIZAÇÃO, INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO. CONDOMÍNIO RESIDENCIAL. INEXIGIBILIDADE. COBRANÇA INDEVIDA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SC – AC: 00026580720138240031 Indaial 0002658-07.2013.8.24.0031, Relator: Rodolfo Cezar Ribeiro Da Silva Tridapalli, Data de Julgamento: 18/07/2019, Quarta Câmara de Direito Público)
EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. INDEVIDA COBRANÇA DE TAXA DE LICENÇA PARA LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO EM DESFAVOR DE CONDOMÍNIO RESIDENCIAL. TRIBUTO QUE DEVE INCIDIR SOBRE ATIVIDADE COMERCIAL, INDUSTRIAL, AGROPECUÁRIA, CREDITÍCIA OU DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. FATO GERADOR NÃO CONFIGURADO. DEVER DE OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA TIPICIDADE TRIBUTÁRIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. RECURSO E REEXAME OBRIGATÓRIO CONHECIDO E DESPROVIDOS. (TJ-RN – AC: 08014977920168205124, Relator: EXPEDITO FERREIRA DE SOUZA, Data de Julgamento: 30/09/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 02/10/2020)
APELAÇÃO NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO E NULIDADE PROCESSUAL POR IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL INOCORRÊNCIA MUNICÍPIO – LANÇAMENTO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO DECORRENTE DE TAXAS DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTO, DE RENOVAÇÃO, DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA E DE FUNREBOM INEXIGIBILIDADE CONDOMÍNIO COM FINS EXCLUSIVAMENTE RESIDENCIAL INCOMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA INSTITUIR A TAXA RELATIVA A SEGURO DE INCÊNDIO. A jurisprudência é assente no sentido de que a sentença de fundamentação sucinta não é nula bem como que a irregularidade de representação processual somente pode ser decretada depois de observado o artigo 13 do Código de Processo Civil visto tratar-se de vício sanável. A taxa de vigilância sanitária, localização e funcionamento e a correspondente renovação somente pode ser exigida de estabelecimentos de produção, comércio, indústria, prestação de serviços e demais atividades similares. A ausência de previsão legal para exigência das aludidas taxas em face de condomínio com fins exclusivamente residenciais fere o princípio da legalidade. A taxa de seguro contra incêndio é de competência legislativa do Estado, impossibilitando a instituição e a exigência pelo Município. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. (TJPR – 3ª C. Cível – AC – 792097-2 – Pato Branco – Rel.: Juíza Angela Maria Machado Costa – Unânime – J. 23.08.2011) (TJ-PR – APL: 7920972 PR 792097-2 (Acórdão), Relator: Juíza Angela Maria Machado Costa, Data de Julgamento: 23/08/2011, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 707 01/09/2011)
Ainda que o condomínio seja classificado como comercial ou misto, é necessário que o sujeito passivo exerça uma atividade econômica para configurar o fato gerador da taxa de funcionamento. Assim, mesmo que o condomínio se apresente como comercial, caso demonstre que não exerce atividade econômica, a cobrança também será indevida:
Em relação à questão de fins lucrativos, é importante destacar que a finalidade de um condomínio comercial não é gerar lucro para seus proprietários ou para a associação de proprietários. Em vez disso, o objetivo principal é proporcionar um ambiente adequado para a operação das atividades comerciais dos proprietários das unidades […] em uma análise hermenêutica da referida decisum, tem-se que a constitucionalidade da cobrança de taxa de alvará de funcionamento e localização, está condicionada a uma atividade econômica, ou seja, há uma necessidade de que o sujeito passivo exerça atividade comercial. Desse modo, evidencia-se a inexigibilidade das taxas de Alvará de Localização e Funcionamento, uma vez que a parte não exerce atividade comercial. (processo n.º 0001888-42.2018.8.11.0082)
Outros tribunais estaduais também têm confirmado essa interpretação, reiterando que a cobrança da taxa é indevida quando aplicada a condomínios residenciais, por não haver fato gerador que justifique a cobrança.
Desta forma, caso seu condomínio pague ou seja intimado a pagar a taxa de licença para funcionamento, recomenda-se a impugnação do lançamento, invocando o direito constitucional de petição aos entes públicos. Caso o município insista na cobrança, o apoio jurídico poderá ser necessário para assegurar o cumprimento da legalidade e afastar a cobrança indevida.