VENDA DE LOTES CLANDESTINOS, NULIDADE DOS CONTRATOS CELEBRADOS

Luiz Felipe Rodrigues – advogado | 24/10/2024

Em recente decisão a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 2.166.273/SP, na relatoria da sempre brilhante ministra Nancy Andrighi, considerou nula a promessa de venda e compra celebrada entre particulares que tinha como objeto a comercialização de imóvel em área de loteamento com irregularidade administrativa.

O parcelamento do solo destinado a finalidade urbana é regulado pela Lei n.º 6.766/79; a importância da lei não se restringe apenas a estabelecer critérios formais para expansão urbana, mas também de resguardo social e ambiental, evitando a formação de núcleos urbanos desestruturados. Neste sentido:

O parcelamento do solo constitui o instituto jurídico pelo qual se realiza a primeira e mais importante etapa de construção do tecido urbano, que é a da urbanização. Nessa etapa, define-se o desenho urbano, constituído pela localização das áreas públicas destinadas a praças, equipamentos urbanos e comunitários, traçado do sistema viário e configuração dos lotes. Os lotes definem a localização precisa das edificações que serão sobre eles construídas, nos termos fixados pelo plano diretor. Assim sendo, uma boa gestão do parcelamento do solo é condição indispensável para que a cidade tenha um crescimento harmônico, que respeite o meio ambiente e propicie qualidade de vida para os moradores. (PINTO, Victor Carvalho. Ocupação irregular do solo urbano: o papel da legislação federal. Brasília: Senado Federal, Consultoria Legislativa, 2003, p. 1)

Consiste o loteamento na divisão do terreno urbano em lotes destinados a comercialização e edificação, resultando a abertura de novas vias ou no prolongamento das existentes. Pressupõe o loteamento para fins urbanos a divisão de uma gleba em lotes destinado a urbanização, edificação, ocupação, com a finalidade de habitação, comércio ou indústria (SABINO, pág. 24).

Em conjunto com as legislações municipais aplicáveis, dispõe a Lei de Parcelamento do Solo Urbana sobre o procedimento a ser seguido para a regular formação do loteamento. Quando o loteador não observa os atos necessários para a legalidade do empreendimento, estaremos diante dos chamados loteamentos clandestinos.

o caso levado a terceira turma se propôs a decidir sobre: (I) a validade da venda de lote não registrado se o adquirente estava ciente desta irregularidade no momento da compra e (II) se a Lei 6.766/79 é aplicável a contratos firmados entre particulares.

Quanto a segunda razão recursal, decidiu-se pela incidência das regras da Lei n.º 6.766/79, mesmo quando o vendedor for pessoa física:

7. Quanto à previsão legal de venda de imóveis irregulares, imperioso esclarecer que, haja vista a Lei 6.766/79 disciplinar o fracionamento do solo para fins de edificação e expansão da malha urbana, para a aplicação da norma é irrelevante se o loteamento e o desmembramento ostentam o caráter de empreendimento imobiliário, se o vendedor atua como profissional do ramo ou se incide relação consumerista na espécie. Deve-se interpretar a norma de forma ampla, pois a mera potencialidade dessa venda a futuros adquirentes já atenta contra regularidade de expansão urbana. (JACOMINO, Sérgio. Revista de Direito Imobiliário: RDI, v. 22, n. 47, jul./dez. 1999)

Desta forma, estabelecido a aplicação da Lei de Parcelamento do Solo Urbano no caso, passou-se a analisar sobre a legalidade da promessa de venda e compra de loteamento clandestino quando o comprador tem ciência da irregularidade.

Nos termos do artigo 37 do referido dispositivo, é vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento não registrado. Não só, mas nos termos do artigo 50 do mesmo dispositivo, a venda ou promessa de venda de parcelamento não registrado constitui crime.

O compromisso de compra e venda, cessão, ou promessa de cessão somente poderá ser celebrado após o registro do loteamento ou do desmembramento. Antes do registro, configura crime a celebração do contrato, mesmo que seja um contrato considerado “preliminar”, como “pré-contrato”, pois o legislador estabeleceu literalmente que a promessa de cessão e proibida e constitui crime contra a administração pública (SABINO, pág. 189)

Por mais que no artigo 38 da Lei n.º 6.766/79 permita ao adquirente do imóvel irregular suspender o pagamento das prestações e notifique o loteador para que regularize a falta de registro, tal dispositivo é incompatível com a nulidade do ato, que é insanável.

Fundamenta-se tal posicionamento pelo artigo 166, II, do Código Civil, prevendo a nulidade do negócio jurídico quando for ilícito seu objeto. Nestes termos, não houve a convalidação do negócio celebrado, mesmo que o comprador tivesse total e inequívoca ciência sobre a irregularidade do loteamento.

Por fim, ficou decidido: (I) não tendo o loteador providenciado o registro do imóvel, (II) independentemente de ter sido firmada entre particulares (III) cientes da irregularidade do imóvel, (IV) a compra e venda de loteamento não registrado é prática contratual vedada pela lei e que possui objeto ilícito. Por isso, o negócio jurídico deve ser declarado nulo.

Esta é so umas diversas problemáticas que envolvem o empreendimento; para evitar que o sonho se torne um pesadelo, que o comprador realize as diligências necessárias para verificar a legalidade do loteamento, e ao loteador, que observe a legalidade dos atos realizados, sempre em observância aos ditames da Lei n.º 6.766/79 e das legislações municipais aplicáveis.

Referencias:

BRASIL. Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 19252, 21 dez. 1979.

SABINO, Jamilson Lisboa. Lei do Parcelamento do Solo Urbano Comentada: Loteamento, desmembramento, desdobro, condomínio de lotes e condomínio de casas/Jamilson Lisboa Sabino. -2. ed. – São Paulo: Editora Dialética, 2023.

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